por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Rodrigo Pipponzi, confundador e co-CEO do Grupo MOL
Imagine uma instituição com sólido trabalho no combate à desigualdade social que, mesmo após vários anos de funcionamento e desenvolvendo projetos relevantes para a comunidade, se vê constantemente em sufoco financeiro e sempre à beira de fechar as portas. Até que, em meio à pandemia da Covid-19, ela viu as doações, ainda que emergenciais, alavancarem iniciativas importantes e, enfim, teve um respiro para seguir lutando por causas que beneficiam diversas pessoas, direta ou indiretamente.
Eis que, no entanto, esse patamar volta a cair, flertando com os índices pré-pandemia. Se pensarmos no enfrentamento à pobreza: é possível realmente transformar realidades com tantas oscilações em investimentos?
Essa não foi – nem é – uma realidade distante para muitas das mais de 800 mil organizações da sociedade civil presentes hoje no Brasil. Divulgado recentemente, o Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC), estudo conduzido pela Comunitas, traz justamente o retrato do pico de investimento social corporativo (ISC) em 2020, seguido por consecutivas quedas nos anos seguintes.
Se no ano inicial da pandemia a mediana do percentual de ISC em relação ao lucro líquido das empresas pesquisadas ultrapassava os 2%, em 2022 esse índice é menor que 1%.
Mas então como manter o patamar observado em tempos emergenciais? De que forma esse ponto fora da curva pode se transformar em curva e fomentar ainda mais um setor que, segundo recente estudo da Fipe encomendado pelo Movimento por uma Cultura de Doação, representa 4,27% do PIB do Brasil?
Para construir a resposta a essa pergunta é preciso de fato um olhar não só para a atuação dos governos, mas sim das empresas. A Pesquisa Doação Brasil 2022, coordenada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, mostra que as companhias são vistas como uma das principais responsáveis pela solução de problemas socioambientais.
Cabe aqui lembrar que hoje as mesmas empresas que carregam esse “peso” também estão cada vez mais comprometidas com a temática e a agenda ESG (do inglês, Ambiental, Social e Governança), mas o S da sigla é ainda um desafio.
A “The ESG Global Survey“, pesquisa divulgada pelo BNP Paribas em 2021, mostra que, para 51% dos entrevistados, o pilar social é o componente mais desafiador, já que os dados são mais difíceis de se obter e há uma grande falta de normalização em torno das métricas sociais. Então o que fazer para tornar as iniciativas relacionadas ao pilar S mais palpáveis?
É comum que, ao analisar e divulgar as iniciativas relacionadas à esfera social, as empresas olhem mais para dentro de casa e implementem ações que equacionem questões como diversidade e equidade de gênero ou raça.
Não obstante sejam ações relevantes e urgentes, é necessário também olhar para fora das organizações e entender o S como um bom balizador de responsabilidade e investimento social corporativo, inclusive com a possibilidade de fornecer dados consistentes de impacto social.
E nesse contexto o terceiro setor desempenha papel fundamental, já que temos no Brasil instituições sérias que trabalham há muito tempo e de forma impactante com o componente social. Assim, financiar a atuação e o fortalecimento dessas iniciativas é o que vai garantir a transformação social no médio e longo prazo –e de forma mais eficaz que ações internas isoladas.
Todo esse pano de fundo leva Grupo MOL e IDIS à apresentação de um novo projeto: o Compromisso 1%, uma iniciativa que incentiva empresas a se comprometerem com a doação anual de pelo menos 1% de seu lucro líquido para organizações da sociedade civil. Empresas de qualquer porte e com balanço auditado poderão participar e a ideia é criar um movimento de inspiração para líderes corporativos que possa mudar o patamar de doações empresariais no Brasil.
As organizações que assinarem esse compromisso público de força e engajamento social estarão juntas em um esforço para garantir um patamar de doações acima do 1%, não só atrelado a emergências. Essa será uma jornada viável e uma construção ativa para que o investimento social seja sistemático, sustentável e estratégico ao longo do tempo.
E aqui os benefícios são claros, não só reputacionais ou ao trazer melhorias para a comunidade, mas também em termos de engajamento de funcionários e alinhamento com os propósitos de cada empresa.
O Compromisso 1% é um projeto ambicioso e de impacto, capaz de impulsionar e acelerar a forma com que empresas se comprometem com o presente e futuro da sociedade, investindo para fortalecer projetos relevantes que precisam de recursos para seguirem sua caminhada.
Nossa meta é que os próximos levantamentos do setor mostrem justamente uma nova realidade, a se firmar ao longo dos anos, de que o percentual de investimento social corporativo em relação ao lucro líquido esteja já em patamar próximo de 2%. E isso não só em momentos de emergência, mas sim como a expressão de uma escolha consciente e estratégica de país e sociedade.
Texto originalmente publicado no BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo) 2023 e Folha de São Paulo em 16/11/2023